O presidente Luís Inácio Lula da Silva já foi considerado a maior liderança da América Latina, por volta da primeira década deste século. Afinal, desenvolvia um governo de pleno sucesso no Brasil e conseguira articular através do Fórum de São Paulo um unificado movimento das esquerdas na região. Já na metade desta segunda década, Lula realiza um governo que tem um número praticamente igual em aprovação e desaprovação, e vê o movimento de esquerda fragmenta-se na região.
O pior, alguns dirigentes que eram aliados incontestáveis passam a contestá-lo de forma acintosa. Como é o caso do nicaraguense Daniel Ortega, que, depois de expulsar o embaixador brasileiro de seu país, considerou “vergonhosa” a atuação de Lula no caso da Venezuela. Não bastasse isto, pisou numa ferida que, embora todos os esforços de aliados em curá-la, permanece aberta: que é a questão da Lava Jato. Ortega foi fundo ao dizer: “Não me diga que suas administrações foram extraordinárias. Foi extraordinária com o campo quando você foi presidente pela primeira vez, mas também lembre dos escândalos da (operação) Lava Jato, lembre de tudo isto. Aparentemente não foi um governo muito claro, muito limpo”. Ou seja, deu munição para a oposição, que até hoje não se conforma com a anulação do processo de Lula.
SAIA JUSTA
O curioso é que o pano de fundo da crítica é com relação à Venezuela. Caso em que, apesar de todas as evidências, Lula não condenou a falcatrua do regime na eleição de 28 de julho. Segue defendendo uma nova eleição, como se isto fosse possível num país em que todas as instituições estão aparelhadas. Basta ver que o Conselho Nacional Eleitoral se limitou a passar as atas da eleição para a Suprema Corte e esta, sem as publicar, simplesmente referendou a vitória do ditador.
Aliás, apesar de todo o aparelhamento, um dos membros do CNE resolveu abrir a boca. Juan Carlos Delpino denunciou irregularidades no pleito. “Tudo que aconteceu antes, durante e depois das eleições presidenciais indica a falta de transparência e de veracidade dos resultados anunciados”, disse ele, que, seguramente, deve estar refugiado. Mas, Lula segue querendo nova eleição, juntamente com o colombiano Gustavo Petro, numa missão da qual, sentindo que era fria, já caiu fora o presidente do México Lopez Obrador.
OPORTUNIDADE
A posição de Lula o compromete até como um democrata. Tivesse assumido logo uma posição como a do presidente esquerdista do Chile, Gabriel Boric, que foi veemente na crítica ao processo eleitoral venezuelano, Lula ganharia pontos como um defensor da democracia. No entanto, sua ligação com Maduro falou mais alto. Basta lembrar que, em maio do ano passado, ele tentou enfiar Maduro goela abaixo de seus colegas sul-americanos como sendo vítima de uma narrativa. E agora ficou nesta, nem referenda o resultado e nem condena. Posição inconcebível para quem já foi uma líder da América Latina, recebendo até a manifestação do então presidente dos EUA, Barack Obama, de que “este é o cara”!
Enquanto isto, Maduro já começou uma reforma ministerial, designou a vice-presidente “eleita”, Delcy Rodríguez, para se encarregar da área do petróleo e marcou eleições gerais para 2025. Serão eleições para governadores, prefeitos e deputados. E dentro da “confiabilidade” do sistema, foi estabelecido que não poderão concorrer aqueles que tiverem ligações com os protestos ou que forem considerados “fascistas”. Ou seja, um critério para afastar toda a oposição.
CONDENAÇÃO
E nesse sentido, segue a tentativa de Maduro de colocar na cadeia os principais líderes da oposição. O candidato opositor Edmundo González foi intimado duas vezes esta semana para comparecer perante a Justiça. A intimação desta segunda repete a acusação de crimes como fraude de documentos, associação criminosa e conspiração, delitos informáticos e instigação à desobediência das leis, relacionados à publicação e manutenção de site contendo atas do pleito, ocorrido no dia 28 de julho. González não compareceu porque sabia que seria preso. Tem que manter-se escondido, apesar de todas as evidências de que fora o ganhador da eleição.
Com todo este quadro, o presidente Lula segue naquela indefinição, que faz balançar sua condição de um verdadeiro democrata.