Agosto é mês de recesso no Parlamento britânico. Em função disto havia muita ansiedade para o retorno aos trabalhos, pois uma das questões cruciais a ser colocada em votação seria o esboço de um acordo para a saída do Reino Unido da União Europeia. No entanto, durante o recesso o primeiro-ministro Boris Johnson manifestou a sua disposição de promover um Brexit duro, ou seja, uma saída do Reino Unido da União Europeia sem um acordo, algo que é considerado catastrófico pela maior parte da população. Diante disto o objetivo para o retorno passou a ser outro: a aprovação de um voto de desconfiança contra Johnson.
O dia 31 de outubro é o prazo estabelecido por Bruxelas para que Londres apresente uma proposta de retirada a ser analisada pelo Parlamento Europeu. Daí o interesse em aproveitar este curto espaço de tempo para a costura de um documento sobre a saída. Sabiam todos da exiguidade do prazo, já que ao longo de três anos a então primeira-ministra Theresa May tentou sem sucesso aprovar um acordo. Mas o objetivo era tentar. Só que não contavam com a determinação de Johnson de promover uma saída bruta. Foi aí que começou a articulação para, no retorno dos trabalhos, ser votada a destituição do primeiro-ministro. Este, porém, correu na frente, foi até a rainha Elizabeth II, dentro da formalidade que é imposta, e conseguiu desta a autorização para cessar as atividades do Parlamento de 10 de setembro a 14 de outubro, inviabilizando uma votação contra ele. Ou seja, Johnson deu um golpe que paralisou o Parlamento.
A ira dos britânicos com a manobra foi expressa em editorial pelo Financial Times: “É uma tentativa intolerável de silenciar o Parlamento até que ele não possa mais impedir uma saída desastrosa do Reino Unido da União Europeia”. Mais contundente foi o líder trabalhista Ed Miliband: “Suspender o Parlamento para impedir a expressão da vontade dos representantes eleitos é o que os autocratas e os ditadores fazem.”
Assim, ficou-se diante de algo impensável para uma, até então, das mais antigas e sólidas democracias do mundo. Dentre outras coisas, é previsto que a saída sem acordo determinará de imediato uma queda do PIB, recessão, desabastecimento, saída em massa de empresas do país, o que já está acontecendo, crescimento do movimento separatista na Escócia, além da volta da fronteira entre as duas Irlandas, com a possibilidade de retorno dos confrontos que marcaram a história recente daquelas duas áreas. Enfim, que má idéia teve David Cameron quando lá em 2016 resolveu promover o plebiscito sobre o Brexit.