Depois de uma série de manifestações que culminaram com dois dias de fechamento do aeroporto de Hong Kong, o governo chinês resolveu concentrar forças militares na cidade vizinha de Shenzen, numa clara demonstração de que está disposto a intervir para acabar com o que já classificou como “atos terroristas”. As manifestações, que começaram como protesto pela decisão de se encaminhar a Pequim para julgamento todo acusado de crime, vêm num crescendo. Pode-se imaginar o caos no aeroporto que é o oitavo maior do mundo e que tem um movimento que é duas vezes maior que o de Cumbica, o maior aeroporto brasileiro.
Embora o governo local tenha recuado da decisão sobre julgamentos, as manifestações continuaram com vistas a assegurar a manutenção dos direitos hoje vigentes e que são herança do sistema britânico, que ali manteve sua colônia até 1997, quando a passou para o domínio chinês, mas com a condição de manter-se o status quo até 2047. Foi criado o que ficou conhecido como “um país, dois sistemas”. Ocorre que, gradualmente, Pequim vem minando os direitos e garantias do território. E por isto que os jovens se rebelam. Não só querem manter seus direitos como também ampliá-los, incluindo a escolha do governador pelo voto direto, dentre qualquer candidato que se apresentar. Hoje, podem escolher de uma lista de três nomes apresentados por Pequim.
O problema das manifestações é que sempre acabam em confrontações. E o temor é de que venha a ocorrer outro episódio semelhante ao da praça da Paz Celestial, em 1989, quando o movimento por democracia foi sufocado pelos tanques. A China de 2019 não é mais a mesma daquela época. Hoje é um destacado ator da economia mundial, tendo deixado de produzir quinquilharias para gerar alta tecnologia, como a desenvolvida pela gigante da telefonia celular Huawey, dominadora do sistema 5G. Há ainda outro problema para agir com truculência em Hong Kong, pois é por ali, naquele grande centro financeiro, que entra cerca de 70% do investimento estrangeiro para impulsionar os negócios de Pequim, como a própria Rota da Seda.
Por outro lado, a China cresceu, se abriu para a economia de mercado, tirou milhões de pessoas da pobreza para inseri-las no mercado de trabalho, porém mantendo o regime político fechado. E não se vislumbra a mínima possibilidade de uma mudança para a democracia. O Partido Comunista conduz a política com mão de ferro. E não há potência que possa mudar esta situação. O assessor de Segurança da Casa Branca, John Bolton, disse em entrevista à Voz da America, que “os chineses têm que olhar com muito cuidado os passos que tomam, porque as pessoas nos EUA lembram da praça da Paz Celestial, lembram da imagem do homem parado frente à fila de tanques”. Mas aí é de se perguntar: e se houver um episódio desses em Hong Kong, os Estados Unidos vão fazer alguma coisa? Claro que não! Portanto, mera retórica. Na realidade, tudo está nas mãos de Xi Jinping, que hoje é o homem todo poderoso da China. Um afrouxamente em Hong Kong pode complicar a sua vida e o seu governo. Por isto, não é sem razão que mandou tropas para Shenzen.