O que era uma evidência tornou-se oficial esta semana: a Síria está em guerra civil, segundo o comunicado da Cruz Vermelha Internacional. A evidência está no fato de o país estar numa disputa interna desde março do ano passado, na qual, segundo a ONU, já morreram mais de 10 mil pessoas. Na Síria não se estabeleceu uma presença marcante do Ocidente como se deu na Líbia com a intervenção da Otan. No país africano, a organização atlântica recebeu um mandato da ONU para agir em proteção aos civis, para impedir que fossem vítimas de um massacre. Mas o que se viu foi a Otan dar proteção para a facção rebelde avançar, matando indiscriminadamente pelo caminho, até culminar com o trucidamento de Mohamar Kadafi. Em função disto, não houve como aprovar uma intervenção na Síria. Mas não há como negar que o Ocidente está agindo, de forma camuflada, em favor dos rebeldes sírios. Os quais têm também o respaldo das monarquias do Golfo, que sempre tiveram sérias restrições aos governos do Partido Baath na Síria.
Foi justamente por sentir o apoio Ocidente/monarquias aos rebeldes sírios que China e Rússia negaram apoio às sanções contra a Síria votadas no Conselho de Segurança da ONU. Nesse apoio fica explícito o outro lado externo do conflito. China e Rússia no círculo mais distante e Irã no âmbito regional, constituem o elo de sustentação de Bashar al-Assad. A Rússia tem uma ligação tão forte com o regime sírio, a ponto de ter uma base naval na costa mediterrânea do país. A Síria, de sua parte, sempre exerceu uma forte influência sobre o Líbano, país que era considerado a Suíça do Oriente Médio e que foi destruído por uma guerra civil, travada de 1975 a 1990. Hoje o país se recupera, mas não escapa de atos de fanatismo, como o assassinato do primeiro-ministro Rafik Harirri, em fevereiro de 2005. E o Líbano, assim como a Turquia, veem seus territórios inundados por refugiados sírios, que tentam escapar dos combates. E ambos os países também se constituem em bases de apoio ao chamado Exército Livre da Síria.
E na medida em que os combates chegam à capital, Damasco, o coração do país, o atentado desta semana, que vitimou o ministro da Defesa e o seu vice, que era cunhado de Assad, se constituiu num golpe no coração do governo. Este golpe, aliado às deserções de ministros e embaixadores, pode se configurar como o início do fim do regime de Assad. Muito embora se perceba que o ditador ainda está com muito fôlego e com apoios importantes, para continuar com os massacres. Afinal, revoltas e massacres não são novidade no país. Em 1982, por exemplo, o pai de Bashar, Hafez, então governante, determinou uma brutal repressão na cidade de Hama, matando cerca de 20 mil pessoas, como represália por atos da chamada Confraria Muçulmana. E tudo sempre contando com o beneplácito de Moscou, de quem a Síria sempre foi aliada, após ter se libertado do jugo colonialista da França, ao final da Segunda Guerra.
Com tudo isto, o que se depreende é que, apesar de já decorrerem 16 meses de combates, o conflito está apenas começando.